Psicologia, Ciência e Espiritualidade - Algumas Considerações!
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O texto a seguir é um comentário por escrito, sobre o tema "Psicologia, Ciência e Espiritualidade", discutido no XV Ciclo de Palestras em Psicologia, da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda - FACHO, o qual tive a oportunidade de presenciar e contribuir. Reproduzo aqui o material entregue aos palestrantes da noite, a Psicóloga e Filósofa, Drª. Zirlana Teixeira e a Psicóloga Analítica, escritora, especialista em Metodologia do Ensino Superior, Profª. Mércia Melo Silva. Segue:
Algumas considerações
sobre os conceitos de espiritualidade e religião.
É possível pensar a Espiritualidade
na ausência do que transcende à natureza humana?
Lançando
olhar sobre as gerações, onde a experiência mística ditou costumes, regras,
formando assim as primeiras sociedades, podemos observar uma espiritualidade
caracterizada pela separação entre o ser humano e o divino. Tal espiritualidade
é marcada exatamente pelo desejo humano de se re-ligar ao divino, elemento esse
não encontrado em sua própria concepção de natureza, mas de sobrenatural. Isto
é, o divino se encontra “inacessível”, pois transcende
a humanidade, sendo a sua interação com essa humanidade o resultado dos
esforços produzidos pela religião. É através da religião, ferramenta de ligação
entre o divino e o humano, que se concebe a espiritualidade, não havendo,
portanto, até o surgimento do humanismo no século XVI, influenciado pelas expressões de Francesco Petrarca, uma
única expressão religiosa ou filosófica onde o ser humano é (ou era) o objeto
da sua própria espiritualização. Desse modo, como pensar numa espiritualidade onde a figura do divino não transcende
o próprio sujeito?
Algumas
religiões orientais, asiáticas, também compreendidas como filosofias, tais como
o Taoismo, Budismo e o Hinduísmo, responsáveis por inúmeros desdobramentos
religiosos em todo o planeta, embora tenham em suas teologias a concepção do
humano como divindade em potencial, não depositam nele o seu objeto de culto, a
não ser que se torne “divino” (“iluminado”, a exemplo de Siddhārtha), e ai temos
um culto ao outro, mas não a si próprio. O humano é visto como unidade
divisível de uma força maior, regente de uma dinâmica universal que dita para a
criação os ciclos da vida (sãmsara). Tornar-se um com essa força é um processo
transcendental de libertação (moksha) material (maya) que passa por diferentes
níveis de consciência, todos, porém, relacionados a essa força maior, criadora
e mantenedora da vida, que embora faça parte (segundo essas tradições) da
constituição humana, não se resume a ela, mas a constitui! Além dessas
tradições e semelhantes, cuja figura divina é impessoal, porém transcendente e,
portanto, superior (Brahman), todas as expressões religiosas (conhecidas) de modo geral tem
a sua espiritualidade atribuída, devotada, a figura de um SER (ou elemento) superior, além, deixando evidente que a concepção de espiritualidade não pode
ser dissociada desse fator. O divino é justamente o elemento de ruptura entre o
ser “caído” e a necessidade de reencontro com o SER absoluto e perfeito.
Ora,
por essa linha de raciocínio, pautada inicialmente pela lógica e observação
histórica da fenomenologia religiosa, é possível dizer que não se pode falar ou vivenciar a espiritualidade sem que esteja presente o elemento divino,
fazendo ruptura entre o ser natural do sobrenatural, uma vez que é justamente por
ele que se concebe a motivação espiritual. O que foge a essa concepção escapa,
também, da espiritualidade, por não estar caracterizada em sua estrutura de
compreensão a relação do humano para com o outro, o divino. É na interação com o meio que o humano se
percebe incapaz de compreender a natureza em sua totalidade, sendo essa
percepção lado à disposição Ética, a condição inicial do sentimento religioso! Por
esse motivo o humano se volta ao que deve estar além da sua própria condição de
existência, fazendo separação entre ele, o mundo (meio) e o divino. É possível
pensar então, que a diferenciação atual entre espiritualidade e religiosidade
trazida ao campo da Psicologia, querendo fazer referência ao sentimento
religioso, é, na realidade, uma nova
proposta de antropocentrismo,
onde a religião, antes excluída, hoje se apresenta como ponto de partida para
teorizações filosóficas, políticas, científicas, culturais. Não se trata de
espiritualidade enquanto sentimento religioso, uma vez que este (o sentimento
religioso, diferente de religião) se traduz pela necessidade do humano em se
reencontrar com um divino que lhe transcenda, mas sim de uma espiritualidade
enquanto filosofia de vida, animus, motivações, conjecturas particulares das
mais variadas.
Nessa
nova proposta de antropocentrismo, onde não há “sobrenatural”, mas apenas possibilidades
humanas ainda não conhecidas (espera-se que, em breve, "manipuladas" pela Física Quântica), estão presentes a mesma “vacuidade” (Tillich) e desamparos
(Heidegger) oriundos do sentimento religioso original. O fracasso da primeira “era da
razão” que prometia extirpar a espiritualidade original com a “luz da ciência”,
parece ter produzido uma geração de pensadores que encontraram na Filosofia
Existencial-Humanista, Psicologia Transpessoal e Física Quântica, uma
alternativa para abordar o – tema -- espiritualidade sem, contudo, considerar a
existência real de um SER que verdadeiramente transcenda a existência conhecida.
O ser humano é mais uma vez posto em foco, mas não como sujeito possivelmente
carente de um SER Criador, pessoal, mas como única fonte da sua própria
divindade. A vacuidade está implícita nisso na multiplicidade de métodos e
teorizações que visam compreender e explicar o sentimento de desamparo que
permanece e se aprofunda à medida que passam as gerações. Assim como a
multiplicidade das religiões refletem a angústia pela necessidade do
reencontro, os métodos “para além” da física (metafísicos), por sua vez,
refletem à carência de um olhar espiritualizado real, voltado para o Outro (divino). Em
outras palavras, posso acreditar que a angústia do desamparo não é pelo
des-encontro consigo mesmo, mas exatamente pelo encontro com um eu insuficiente,
descoberto impotente e frustrado a cada vez que se percebe incapaz de ocupar o
lugar do SER Divino.
Finalmente,
Como
argumentado anteriormente, apesar de eu dever permanecer na posição que me cabe
a ignorância no assunto, a familiaridade com o tema, por sinal, existente muito
antes do que a própria Psicologia, bem como a lógica aplicada na observação da
experiência religiosa nas culturas ao longo das gerações, me dá ousadia para
discordar de um conceito onde a espiritualidade pode ser concebida sem a
ruptura do material com o imanente. Sem a busca transcendental apontando para o
“além” de si mesmo. Sem a noção de outro ou algo maior, seja isso uma força mantenedora ou um agente criador. Compreendo que, o que se chama “espiritualidade”
na Psicologia moderna, diz respeito a uma nova abordagem filosófica, que embora
não encerre sob os arquétipos materialistas a noção e até vivência de uma
espiritualização possivelmente transcendental, não dá ênfase a essa, mas tende
a valorizar e difundir uma visão de “homem” superpotente (Nietzsche), como
sendo o próprio objeto de culto.
A
problemática da questão pode afetar a prática terapêutica, porque ao encarar
essa nova “espiritualização” como uma expressão do sujeito, à parte da religião
como um constructo organizador desse sentimento, mas uma relação de poder do
humano para o humano, podemos nos sentir livres enquanto terapeutas para
trabalhar com o cliente não a sua própria demanda, mas àquilo que acreditamos
ser a “falta de um encontro consigo mesmo”, baseados numa abordagem que tem, na
realidade, apenas uma outra leitura da religiosidade, filtrada sob o prisma
metodológico e filosófico para que possa se apresentar no consultório e nas
publicações como linha teórica da Psicologia e Filosofia. Em suma e grosso
modo, corremos o risco de, ao falar em Psicologia Transpessoal, assim como de
Metafísica = Física Quântica ou Parapsicologia, sermos tão religiosos quanto
quem anuncia o Alcorão em praça pública!